Depois da sepultura do “socialismo de Estado”, a economia social de mercado tornou-se a única alternativa política e doutrinária viável ao neoliberalismo.
04-12-2014
Depois da sepultura do “socialismo de Estado”, a economia social de mercado tornou-se a única alternativa política e doutrinária viável ao neoliberalismo.
Passou indevidamente despercebida a adoção da noção de "economia social de mercado" na "Agenda para a Década" aprovada no recente Congresso do Partido Socialista. E no entanto, trata-se de um acontecimento cuja importância política e doutrinária não é despicienda. Se a fidelidade ao Estado social estava no ADN do PS, outro tanto não se podia dizer da adesão à economia de mercado. Nascida depois da II Guerra na Alemanha, no seio do "ordoliberalismo" da Escola de Freiburg, e depois cooptada pela democracia cristã alemã como alternativa ao capitalismo ‘laissez faire' e ao intervencionismo de Estado, a noção de economia social de mercado tardou a ser perfilhada pela social-democracia alemã, o que só veio a suceder recentemente, a troco de um leitura mais social e menos liberal da noção. Entretanto, ela já tinha obtido a sua entrada pacífica e consensual no Tratado da União Europeia (art. 3º), mercê do Tratado de Lisboa, como caraterização fundamental da "constituição económica" da União Europeia. Numa definição elementar, a "economia social de mercado" (melhor se diria "economia-de-mercado social") é uma economia de mercado com uma dimensão social. Trata-se, antes de mais, de uma economia amparada pelo Estado, baseada por um lado na liberdade de empresa e de investimento e por outro lado na concorrência, o que implica tanto uma política ativa de defesa da concorrência, contra os cartéis e os abusos de posição económica dominante, como uma política de regulação pública das falhas e insuficiências do mercado, sendo por isso uma "economia de mercado regulada". Trata-se, em segundo lugar, de uma economia submetida a condições e requisitos sociais, nomeadamente três: garantia dos direitos dos trabalhadores, defesa dos direitos dos consumidores e garantia tanto dos serviços públicos fora do mercado (educação, saúde e proteção social) como da universalidade e acessibilidade dos "serviços de interesse económico geral", mesmo quando submetidos ao mercado. São conhecidas as objeções que durante muito tempo impediram a esquerda social-democrata de perfilhar a noção de economia social de mercado, que tinham a ver tanto com razões ideológicas (hostilidade marxista à economia de mercado) como com a história da noção, como se outras noções não tivessem origem controversa (como a de Estado social, por exemplo). A noção de economia social de mercado tornou-se porém incontornável para a social-democracia europeia a partir do momento em que o Tratado de Lisboa a erigiu em base normativa da constituição económica da UE. Era imperioso impedir a captura da noção pela direita (liberal ou social) em seu benefício e ligá-la ao modelo social europeu. Além disso, depois da sepultura do "socialismo de Estado", a economia social de mercado tornou-se a única alternativa política e doutrinária viável ao neoliberalismo. Sendo uma noção compósita relativamente indeterminada, a noção de economia social de mercado presta-se a leituras políticas diferenciadas, consoante o peso da vertente social. Por isso, a adoção da noção não cancela o debate nem a luta política entre a esquerda e a direita quanto às políticas económicas e sociais.
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